Foi comprar um livro novo que há algum tempo precisava
lê-lo, mas sempre adiava sua ida à livraria, alegando falta de tempo ou pura
preguiça. Era uma tarde fria em São Paulo.
Saiu de casa devidamente agasalhada, um pouco incomodada com
o cachecol velho que pinicava seu pescoço ou com os cabelos encaracolados, que
o vento batia e bagunçava-os. Assim mesmo, foi caminhando pelas ruas, vendo
pessoas aleatórias, os bons vizinhos e o garoto de dezesseis anos de idade que
há algum tempo paquerava-a com olhares desejosos e “bom dias” cheios de
empolgação e segundas intenções. Ela tinha vinte e dois anos.
Seu nome era Eliza. Nome igual ao da avó materna. Trabalhava como estagiária numa empresa, mas estava de
férias na ocasião, o que ela achava muito bom, pois estava cheia daquele lugar e pensava na possibilidade de pedir demissão quando voltasse. Cabelos
encaracolados num castanho-escuro enjoativo, olhos pequenos, maçãs bonitas e
lábios modestos. Não se achava bonita, apesar de ouvir uns e outros elogios
aqui e ali, mas achava que as pessoas nunca eram sinceras com ela.
Morava sozinha num apartamento na Santa Cecília, desde os dezenove
anos, quando passou a cursar a faculdade. Sentia-se um pouco sozinha, mesmo com
a presença de sua gatinha de estimação, a Raimunda, uma gata siamesa que apenas
ronronava e deitava em seu colo toda hora quando via tevê. Não tinha namorado,
e nem tinha interesse em ter um. Os homens eram todos uns idiotas. Não era
muito boa em relacionamentos, nem chegou a ter muitos garotos em sua vida.
Logo, perdera sua virgindade aos vinte anos.
Depois de ter tropeçado em uma pedra na calçada e soltado um
palavrão mentalmente, chegou à tranquila livraria. Sentia-se bem naquele lugar
tão aconchegante e cheio de livros e CD’s gostosos de ler e ouvir. Entrou e
logo avistou a prateleira onde estavam os livros de seu interesse. Ela gostava
de ler. Era seu passatempo preferido. Preferia mil vezes ler um livro a sentar
numa sala de cinema cheia de gente fútil e desnecessária.
Achou um romance sueco que lhe pareceu ser bem interessante
e o tirou da prateleira. Pegou também o outro livro que há tempos pensava em comprá-lo. Um livro
de auto-ajuda. Lia o pequeno resumo atrás do livro distraidamente, quando
sentiu algo esbarrando em seu ombro. Um pouco atordoada com a pancada, olhou
para trás e viu um rapaz lhe pedindo desculpas educadamente.
Ficou calada por alguns segundos, observando aquele moço que
acabara de esbarrar em seu ombro. Parecia ser um rapaz de sua altura. Os
cabelos lisos e negros e o rosto meio arredondado. Assemelhava-se a um
oriental. Quando o moço passou a olhá-la mais diretamente nos olhos, assumiu
uma feição meio tímida no rosto.
- Me desculpe... – Ele disse devagar.
Ela, já menos atordoada do que antes, sorriu pequeno.
- Tá tudo bem – Respondeu de um jeito extremante educado e
sereno – E você, está bem?
- Sim, estou. É que eu sou muito distraído... – Ele tentou
contornar a situação com um sorriso confortável nos lábios. Covinhas apareceram
em suas bochechas.
- Não... Eu é que sou – Eliza disse, ajustando o cachecol no
pescoço, com um sorriso mais confortável que o dele – Acontece com todo mundo
esse tipo de coisa... – Concluiu, fazendo com que ele se sentisse mais a
vontade e soltasse um risinho descontraído.
Para Eliza, falar com estranhos era algo incomum e perigoso.
Os estranhos, a seu ver, podiam ser pessoas extremamente sujas e mal
intencionadas, o que gerava a extrema desconfiança dela cada vez que alguém
completamente aleatório na multidão vinha falar com ela. Mas aquele moço
pareceu ser alguém a quem podia dar um voto de confiança. Ele era tão...
- Posso saber o seu some? – Ele de repente pergunta,
esboçando ainda um sorriso amável.
Um pouco hesitante, ela respondeu, olhando para um ponto
qualquer da livraria.
- Eliza. Liz. Sei lá, como quiser. E o seu?
- Felipe – Respondeu o rapaz, passando os dedos suavemente
nos cabelos, demonstrando timidez – Esse é meu nome brasileiro. Nasci no Japão na verdade, e meu nome é Kazumi.
- E posso te chamar de...
- Felipe mesmo – Ele completou a frase dela. Ela achou engraçado e
sorriu mais ainda.
- Prazer em conhecê-lo!
- O prazer é meu!
Lilly sentiu mais segurança. Além de simpático, era um moço
gentil e... Muito bonito. O amendoado dos seus olhos puxados era diferente, e
tinha umas feições tão leves no rosto que chegavam a ser infantis. Um japonês diferente, é isso, pensou
ela.
- Olha... Eu já vou indo. Eu
adoraria ficar mais um pouco e conversar com você, mas tenho coisas pra fazer,
me desculpe...
- Tudo bem. Nos vemos por aí então... Até logo – Despediu-se
ele, com o rosto levemente corado, talvez um pouco sem graça diante da forma
como ela o dispensou.
- Até logo – Finalizou ela, sentindo-se uma boba por ter
dispensado o rapaz de uma forma até um pouco seca e indiferente.
Foram se afastando um do outro, até ela esbarrar numa outra
pessoa. Uma mulher, de aparência madura, que a olhou com certa impaciência,
mesmo depois de Eliza ter se desculpado. Deu uma última olhadinha para trás,
para ver se ainda conseguia ter uma última lembrança do rapaz oriental, mas
parecia que ele não estava mais lá.
Pagou os livros e foi embora. Foi andando com a cabeça
fervilhando em pensamentos relacionados ao rapaz que acabara de conhecer. Era
um fato engraçado, porque nunca em sua vida flertara com homens em ambientes
diferenciados, como a livraria. E ele parecia ser um cara legal. E raramente
tinha essa opinião sobre os homens.
Chegou em casa e foi direto para o banheiro tomar um longo
banho quente. Depois foi à cozinha, onde preparou seu costumeiro chocolate
quente e comeu biscoitos no café da tarde, enquanto continuava a pensar naquele
rapaz.